História da fundação dos
bairros do Bixiga e do Bexiga

Egydio Coelho da Silva

 

CHÁCARA DO BEXIGA

A chácara do Bexiga ficava a sudoeste do que se convencionou chamar, em princípio do século XIX, de "Cidade Nova".

Nádia Marzola especifica a sua localização: “Ladeavam-na as vias publicas de hoje Santo Amaro e da Consolação.

Na área compreendida por essas duas vias, prolongando-se para o fundo na direção do espigão da atual Av. Paulista, existiam apenas campos, vales e colinas”. (1) Parece-me, no entanto, que Chácara do Bexiga e/ou Campos do Bexiga, ia da Praça das Bandeiras, onde se encontrava a Estalagem de Antonio Bexiga (**) até onde é hoje a Rua Estados Unidos; localizava-se entre o Caminho para Santo Amaro (Av. Brigadeiro Luis Antônio) e Riacho Saracura (Av. nove de Julho). 

Em sua maior parte era mata fechada, "onde não morava ninguém e onde se escondiam escravos fugidos e pessoas portadoras da varíola (bexiga)".  

Ernani Silva Bruno confirma essa versão e diz:" É coisa menos sabida, contudo, que, nas mesmas terras entre as ruas da Consolação e Santo Amaro, caçavam-se veados, perdizes e "até escravos fugidos". (10)

Pois, "A chácara do Bexiga, em meados do século passado (1.800 - século 19), era um lugar muito mais selvagem do que se poderia depreender de um primeiro contato com a história de São Paulo” (6).

Em 1.845,  Antônio José Dias Leite comprou a Chácara do Bexiga do Barão do Tietê.  Em 1863, a vendeu em pagamento de dívida, contraída em jogo de pôquer, para Thomas Luiz Álvares (*).

Nádia Marzola chega a afirmar que "a chácara do Bexiga pertenceu, também, a Thomaz Luiz Álvares, mais conhecido como Thomas Cruz.

Ela afirma em seguida, que Thomaz, depois, a vendeu para  Antônio José Leite Braga (18)". (6). Porém, na certidão, fornecida pelo cartório em 1973, nada consta sobre essa venda (*).

Estranhamente, a sua referência 18 acima está excluída da relação bibliográfica do capítulo Chácara do Bexiga, supondo-se que o documento, a que pretendia se referir, não foi encontrado ou não confirmou a versão de que Thomas teria vendido a Chácara para  Antônio José Leite Braga.

Observe o leitor que o nome de quem transferiu a Chácara para Thomás e o nome, que aparece como sucessor de Thomás, como proprietário da Chácara, são muito semelhantes.

Em entrevista ao Jornal da Bela Vista, essa versão foi contestada por Auto Senna, advogado de Dolírio Barnabé (2) descendente de Thomaz Luiz Álvares.
Conta que Thomaz Luiz Álvares era viúvo sem filhos de Maria Joaquina de Abreu. Amasiou-se, porém, com duas escravas, Beneditinha e Felizarda, com as quais teve filhos.

Ele afirma que Antônio José Leite Braga (José Braga), loteador da Chácara, do Bexiga, e fundador do bairro, aproveitando-se inclusive de ser quase homônimo de Antônio José Dias Leite, grilou essas terras.  E dessa forma, fez uma “ponte” sobre a escritura, que confirma ser Thomas o proprietário das terras (*).

Segundo Auto Sena, Thomas Luís Álvares já era bastante velho e quase cego e dele cuidavam suas escravas, Beneditinha e Felizarda.

Dolírio Barnabé é descendente de Thomas Luís Álvares e de uma dessas escravas. 

No início década de 1.980, Dolírio iniciou um processo pleiteando o seu direito à posse da Chácara. Seu advogado, Auto Sena, arrolou a chácara e outros bens, e deu entrada no Fórum de São Paulo com um pedido de inventário dos bens deixados por Thomas Luís Álvares.

O advogado dizia que, como se tratava de bens deixados a menores, não haveria caducidade, conforme prevê o Código Civil Brasileiro.

Mas, com certeza, a Justiça não entendeu assim e arquivou o processo, pois, a região era já cidade com arranha-céus e uma das mais densamente povoadas de São Paulo. Além disso, provavelmente a propriedade pode ter sido legalizada com base nas Leis que garantem a propriedade ao posseiro que ocupe a terra pacificamente.

Até recentemente, porém, no começo do ano 2.002, Dolírio Barnabé, munido da documentação antiga, que prova que era ele o herdeiro, procura casas abandonadas no Bixiga e, sempre que pode, toma posse.

A técnica de grilagem ou de retomada de posse por ele utilizada, segundo o advogado Francisco Vidotto, que defendeu alguns dos posseiros, é a seguinte:

Dolírio procura imóveis antigos no bairro do Bixiga, cujos posseiros não têm documento do imóvel, e se apresenta como proprietário, exibindo papéis e dizendo-se proprietário do imóvel.

Em seguida, explica que não quer exigir a saída do posseiro, mas apenas legalizar sua situação e lhe propõe um contrato de locação simbólico por alguns anos, por um preço irrisório.

Vencido o tempo do contrato, ele entra com ação de despejo e, no final do processo, a decisão judicial passa a ser um atestado de que ele é o verdadeiro proprietário do imóvel, pois, o processo de despejo exige juntada apenas do contrato de locação e não a prova de ser o requerente proprietário do imóvel.
Dolírio foi procurado pelo Jornal da Bela Vista para explicar, mas não quis se pronunciar e seu advogado Auto Sena nega essa versão, afirmando que ele só toma posse de imóvel que se encontra abandonado.

A Chácara e seus sucessivos donos

“A história do Bexiga é quase tão antiga quanto a de Piratininga, não a

história do bairro do Bexiga, hoje denominado Bela Vista” (7), diz Nádia Marzola.

Na sua opinião, a Chácara deu o nome ou apelido ao bairro, hoje Bixiga.

Por volta de 1559, todas as terras, que depois iriam formar o Bexiga, faziam parte da sesmaria do "Capão" e pertenciam a Antonio Pinto, que foi tabelião em Santos.

Posteriormente, a área fez parte da sesmaria doada a Fernão Dias Pais Leme, tio-avô de Fernão Dias Pais, que a deu como dote, à sua filha Maria Leme, quando esta se casou com Manuel João Branco.

Foi, a seguir, propriedade de Ana Leme, que a legou a sua sobrinha Francisca Lira.

Por volta de 1.750, essa área era conhecida como chácara da Samambaia, pertencendo ao historiador Pedro Taques.

Já em 1.773 essa área pertencia a Antonio Martins de Almeida, sendo conhecida, então, como chácara do Gusmão.

Em 1789, segundo documentos encontrados por Nuto Santana (8), a chácara do Gusmão foi vendida a Francisco Martins do Monte. E uma escritura inédita reza que, em 6 de fevereiro de 1794, esse mesmo Capitão Melchior Pereira vendeu a Antonio Soares Cavalheiro Gomes e Abreu "uma chácara nesta cidade na paragem Anhangabaú denominada vulgarmente Bexiga, cercada em roda de valos, e de um pedaço na frente de taipa e uma morada de casas de sua vivenda", por 2:45$000. (4 / 5)

Observe o leitor que, quando da venda da chácara a Antonio Soares Cavalheiro Gomes e Abreu, o nome "Bexiga" aparece designando o local. Daí, se pode deduzir que, nesse espaço de tempo, entre 1. 789 e 1.794 algo ou alguma pessoa transmitiu o nome bexiga para a chácara.  

Depois só vamos encontrar referência à chácara do Bexiga nos escritos de Saint Hilaire, quando de sua passagem por São Paulo em 1819 (9). Nessa época o local já pertencia a Antonio Manuel ou Antonio Bexiga.

 

Os nomes e proprietários da Chácara do Bexiga

1559

Sesmaria do Capão – de Antônio Pinto, tabelião de Santos

?

Sesmaria doada a Fernão Dias Pais Leme, tio-avô de Fernão Dias Pais

?

Propriedade de Ana Leme

1.750

Chácara da Samambaia – do historiador Pedro Taques

1.773

Chácara do Gusmão – de Antônio Martins de Almeida

1789

Chácara do Gusmão – Francisco Martins do Monte

18-08-1789

Chácara do Gusmão – Capitão Melchior Pereira

06-02-1794

Chácara do Bexiga - vendida pelo Capitão Melchior a Antonio Soares

1.819

Antônio Bexiga ou Antônio Manuel

1.845

Antônio José Dias Leite a comprou do Barão de Tietê

 1.863

Thomas Luiz Álvares em pagamento de dívida (*)

(*)

Conforme certidão fornecida em 12/01/1973 pelo Terceiro Tabelionato de Notas, Rua Roberto Simonsen, 25, de Aldo Neves Godinho, consta na escritura, lavrada que em 31/08/1.863 (Livro 30, fla.65), que Antônio José Dias Leite vende por pagamento de dívida a Chácara denominada = do Bexiga - a Thomas Luiz Álvares. Neste certidão do imóvel, não consta que a Chácara do Bexiga tenha sido vendida por Thomaz Luiz Álvares ao loteador e fundador do bairro do Bixiga: Antônio José Leite Braga.
Portanto, fica evidente que este, aproveitando-se da semelhança de seu nome com o de Antônio José Dias Leite, que perdeu a Chácara em jogo de pôquer, grilou as terras, omitindo a escritura que transferiu a propriedade para Thomaz Luiz Álvares.

(**)

Na escritura acima consta que a compra se refere a uma "Chácara denominada Bexiga, consistente em casa de morada, quartos de tropeiros, pastos e terras, confrontando aos fundos com Major Hermenegildo José dos Santos; à direita com Lúcio Manoel Felipe dos Santos Capello, Joaquim Ignácio Ramalho e Barão de Iguape, à esquerda com Capitão Benjamim José Gonçalves, segue o valo ao Caminho de Santo Amaro e finaliza com a terra de herança do Major Hermenegildo, tendo o terreno meia légua (equivalente a 6.600 metros de comprimento) e de largura um quarto de légua (equivalente a 865 metros), provavelmente entre o Caminho para Santo Amaro (Av. Brigadeiro Luiz Antônio) e Riacho Saracura (Av. 9 de Julho).

 

FÓRUM DE MORADORES E S/ HISTÓRIA DO BIXIGA EM 12 DE DEZEMBRO DE 2010

De: Tarcísio Chaves Magri.

Cidade: São Paulo. Estado: SP. País: Brasil.

Para: Fórum de moradores e s/História do Bixiga.
 

Caro Egydio, sou sobrinho trineto de Antonio José Dias Leite, antigo dono da

Chácara do Bexiga e tenho muitas informações antigas. Um abraço Tarcisio.
Caro Tarcísio,
A informação que tenho de seu trisavô é a seguinte:

"Em 1.845,  Antônio José Dias Leite comprou a Chácara do Bexiga do Barão do Tietê.  Em 1863, a vendeu em pagamento de dívida, contraída em jogo de pôquer, para Thomas Luiz Álvares".
Segundo o advogado Auto Sena, Antonio José Leite Braga, loteador e fundador do Bixiga, ter-se-ia aproveitado da semelhança do nome com o do seu trisavô e assim conseguiu grilar parte da Chácara do Bixiga e ainda fez ponte sobre a escritura que dava direito à propriedade da Chácara do Bexiga a Thomaz Luiz Álvares.
Como os nomes são muito parecidos, gostaria de saber se seu trisavô,
Antonio José Dias Leite, teve algum parentesco com Antonio José Leite Braga?

Se você tiver essa informação ou outra que ajude a esclarecer melhor esse fato histórico, favor informar. Abs. e grato pela participação. Egydio Coelho da Silva

 

 

 Página inicial da história do Bixiga e de São Paulo antigo

Fale com o autor

Referências bibliográficas – desta página

(1)

Marzola, Nádia – História dos Bairros de São Paulo, volume 15- Prefeitura de São Paulo – Secretaria de Cultura – Dezembro de 1.979- página 34.

(2)

  Coleções do Jornal da Bela Vista, década de 1.980.

(3) 

Marzola, Nádia – História dos Bairros de São Paulo, volume 15- Prefeitura de São Paulo – Secretaria de Cultura – Dezembro de 1.979- página 37, citando SANTANA, Nuto - São Paulo Histórico, vol. I, pág. 153 e seguintes.

(4) 

Marzola, Nádia – História dos Bairros de São Paulo, volume 15- Prefeitura de São Paulo – Secretaria de Cultura – Dezembro de 1.979- página 37, citando o Arquivo-Aguirra.

(5) 

Marzola, Nádia – História dos Bairros de São Paulo, volume 15- Prefeitura de São Paulo – Secretaria de Cultura – Dezembro de 1.979- página 37  e Santana, Nuto,São Paulo Histórico, Volume I, págs. 153 e seguintes.

 

(6)

  Marzola, Nádia –  História dos Bairros de São Paulo, volume 15- Prefeitura de São Paulo – Secretaria de Cultura – Dezembro de 1.979: página 39

(7)  Marzola, Nádia –  História dos Bairros de São Paulo, volume 15- Prefeitura de São Paulo – Secretaria de Cultura – Dezembro de 1.979: página 38

 

(8) Santana, Nuto - São Paulo Histórico, vol. I, págs. 153 e seguintes.

 

(9)     Saint-Hilaire, Auguste de -Viagem à Província de São Paulo, pág. 89

 

(10) BRUNO, Ernani Silva - Histórias e Tradições de São Paulo, vol. 1, pág. 205

 

 

Referências bibliográficas - todas

 

1)            Dicionário de História de São Paulo – Antônio Barreto do Amaral – Coleção Paulista; V.19 – 1.980 – Governo do Estado de São Paulo.

2)            Câmara Municipal de São Paulo: 1560-1998: Quatro séculos de história/ Délio Freire dos Santos, José Eduardo Ramos Rodrigues. São Paulo: Imprensa Oficial, 1.998, página 70, páginas 67/68, obra citada de Mawe, John.

3)            Idem, páginas 67, 68,69/70, obra citada de Zaluar, Augusto Emílio.

4)            Idem, página 72, citação a Henrique Raffard, artigo publicado no Diário do Comércio do Rio de Janeiro.

5)            Idem, páginas 70/71

6)            Marzola, Nádia – História dos Bairros de São Paulo, volume 15- Prefeitura de São Paulo – Secretaria de Cultura – Dezembro de 1.979- página 15

7)            Idem, página 16.

8)            Gilberto Kujawski (artigo no jornal O Estado de S. Paulo 30-05-2.002)

9)            SAIA, Luís - "Fontes primárias para o estudo das habitações das vias de comunicação e dos aglomerados humanos em São Paulo no século XVI", lnst. De Adrninst. da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, pág. 3 e 4.

10)        TAUNAY, Afonso de E. - Non Ducor, Duco, pág. 211

11)        BRUNO, Ernani Silva - Histórias e Tradições de São Paulo, vol. 1, pág. 205

12)        NOGUEIRA, Almeida - Academia de São Paulo, Viii, pág. 128

13)        FREITAS, Afonso A. de - "São Paulo no dia 7 de setembro de 1822", Rev. do lnstit. Hist. e Geog. de São Paulo, XXII, pág. 3

14)        BRUNO, Ernani Silva - op. cit., vol, 1, pág. 96

15)        PRADO, Paulo - Paulística, págs. 8 e 9

16)        BRUNO, Ernani Silva - op. cit., vol, 1, pág. 96

17)        BRUNO, Ernani Silva - op. cit., vol. 1, pág. 91

18)        SAINT-HILAIRE, Auguste de -Viagem à Província de São Paulo, pág. 89

19)        BRUNO, Ernani Silva - op. cit., vol. 1, págs. 93 e 94

20)        BRUNO, Ernani Silva - op. cit., vol. 1, pág. 45

21)        MORSE, Richard N. - São Paulo - Raízes Oitocentistas da Metrópoi - pág. 474

22)        PRADO Jr., Caio -  op. cit., pág. 229

23)        PRADOJr.,Caio- Forrnação do Brasil Contemporâneo pág-61

24)        Marzola, Nádia – História dos Bairros de São Paulo, volume 15- Prefeitura de São Paulo – Secretaria de Cultura – Dezembro de 1.979- página 34